Só conhecimento teórico não forma bom professor
Data: 16/08/2010
Matéria: Folha de São Paulo
ANTÔNIO GOIS
DO RIO
Quando, aos 21 anos, começou a dar aulas, Doug Lemov, 42,
conta que ouviu conselhos como “espere o máximo dos seus alunos todo dia” ou “tenha
altas expectativas sobre seu desempenho”. No momento em que ficava em frente
aos estudantes em sala de aula, porém, isso lhe parecia pouco útil.
No meio de tantas frases de efeito, um professor mais
experiente lhe falou algo bastante concreto: “Quando precisar dar instruções
aos alunos, não faça isso caminhando pela sala enquanto distribui papéis. Eles
precisam entender que o que você fala é mais importante do que qualquer outra
tarefa”.
Foi a partir de dicas práticas como essa que Lemov, hoje
diretor de uma rede de escolas nos EUA, passou a prestar atenção nas técnicas
dos melhores professores.
Sua obsessão em descobrir o que faz o docente top quando
fecha a porta de sua classe o levou a filmar por seis anos aulas de
profissionais que conseguiam, mesmo em situações adversas, que seus alunos
aprendessem.
Este trabalho virou livro de repercussão nos EUA, com 150
mil cópias vendidas, e que será lançado em outubro no Brasil, com o nome “Aula
Nota 10″ (Fundação Lemann e editora Da Boa Prosa).
Nele, Lemov descreve em termos bem práticos 49 técnicas de
bons professores. Podem não ser frases glamourosas, mas funcionam. Em
entrevista à Folha, o autor diz que seu livro não menospreza o conhecimento
teórico. Apenas argumenta que, em vez de aprender apenas a partir de teorias,
professores precisam olhar para o que fazem seus colegas com melhor desempenho.
Folha – Seu livro pode ser entendido também como crítica ao
modo como se formam professores hoje nos EUA, com currículos que enfatizam
demasiadamente teorias pedagógicas e deixam pouco espaço para o ensino de
questões práticas de sala de aula. Como foi a repercussão?
Doug Lemov – Pela resposta que tive, percebi que o problema
na formação de professores nos EUA é mais profundo do que imaginava.
Alguns me disseram que as ideias do livro eram muito
intuitivas. Outros, que não havia nenhuma grande revelação e que o livro era
até óbvio. Sinceramente, considerei elogio, pois isso revela que há mais
pessoas que pensam da mesma maneira.
Eu tinha também algum receio de o livro não ser bem recebido
por professores de escolas públicas, já que trabalho numa organização que
mantém escolas “charters” [geridas pela iniciativa privada, mas financiadas
pelo poder público para atender gratuitamente alunos pobres] e, nos EUA, tem
havido muita disputa em torno deste tema.
Mas acho que os professores entenderam que o livro pode ser
útil para seu trabalho, não importa em que tipo de escola eles ensinam.
Só não tive resposta nenhuma das autoridades educacionais,
responsáveis pela política de formação de professores. Deles, percebi um
silêncio retumbante.
O que explicaria isso?
Talvez achem que eles estejam certos e eu, equivocado.
Talvez porque estejam numa postura defensiva, se sentindo ameaçados com os que
criticam a política atual de formação. Não estou certo de que as pessoas
responsáveis pela formação de professores tenham em mente que o aprendizado das
crianças tem que ser a prioridade.
Ao enfatizar a importância de aprender técnicas de manejo de
turma em sala de aula, você não estaria menosprezando a formação teórica?
Em nenhum momento digo que o conhecimento teórico não é
importante. Pelo contrário, é dramaticamente importante. Se você vai ensinar
matemática, você tem que ter uma boa formação em matemática. Mas meu ponto é
que só isso não faz de alguém um bom professor.
Acho que as técnicas que descrevo são úteis inclusive para
docentes que têm amplo conhecimento da disciplina que lecionam.
Imagine uma escola pública em área pobre que esteja
precisando de um professor de física. Hoje em dia, já é difícil achar alguém
que conheça bem a disciplina e esteja disposto a dar aulas.
Mas, se as pessoas com boa formação em física souberem
também técnicas para fazer boas perguntas, inspirar crianças e manejar uma sala
de aula, triplicaríamos o número de pessoas capazes de dar boas aulas.
Meu livro trata muito mais de como transmitir o conhecimento
para os alunos. Quando você é especialista em algo, seu conhecimento sobre o
tema é quase intuitivo. Isso pode significar que não seja natural para você pensar
em formas de transmitir isso para estudantes.
No Brasil, há muitas críticas aos formatos tradicionais da
sala de aula, pouco atrativos para jovens do século 21. No entanto, muitos
professores reagem argumentando que a sala de aula não é um circo, e que
aprender nem sempre é divertido. Qual sua opinião?
Não acho que tenha que se escolher entre um modelo ou outro.
É certo que você deve inspirar os alunos e atrair sua atenção, mas é preciso
também fazê-los trabalhar duro.
Só não entendo como algumas pessoas resistem tanto em
melhorar. Se você me disser que há coisas que possa fazer para ser um pai
melhor, eu vou querer aprender, mesmo que eu já me considere o melhor pai do
mundo.
Se em sua escola há uma maioria de professores desmotivados
ou desinteressados em melhorar, é difícil ser o que dará o primeiro passo. Mas,
se você dá esse passo, outros o seguirão, e isso se tornará uma bola de neve.
Mas, no Brasil, professores muitas vezes dão aulas em
situações precárias. Como cobrar entusiasmo de um profissional nessa situação?
É certamente mais fácil ser um ótimo professor numa escola
maravilhosa. Mas, mesmo nas piores escolas dos Estados Unidos, há sempre um,
dois ou três que se destacam, e, no meu livro, eu destaco principalmente o
trabalho de professores que dão aulas para alunos mais pobres.
Mesmo não conhecendo bem o Brasil, tenho certeza de que há
bons profissionais mesmo em escolas de pior desempenho. Meu ponto é que, em vez
de aprender só com teorias, também deveríamos aprender com exemplo dos ótimos
professores.
Há, porém, escolas que facilitam o trabalho desses bons
professores e outras que dificultam. Quais características você identifica nas
que apresentem bons resultados?
Em primeiro lugar, são escolas preocupadas, acima de tudo,
no aprendizado do aluno. Parece bobo dizer isso, mas, na prática, nem sempre é
o que acontece. Em segundo, há também uma constante análise de resultados, para
identificar os pontos fracos e corrigi-los. Por último, são locais onde o
professor se sente valorizado e respeitado.
E o que um diretor precisa fazer para motivar a equipe?
Sei que é comum o ceticismo de professores em relação a
aperfeiçoamento. Em parte, eles têm razão, pois muitos conselhos ou
treinamentos dão em nada. Mas fazer os professores confiarem no seu trabalho é
um resultado, e não uma pré-condição. É preciso mostrar que você é capaz de
ajudá-los a serem melhores. Se você consegue fazer isso ao menos com uma
minoria, é natural que outros vejam o resultado e passem a acreditar em você.
Doug Lemov: “A teoria é bem mais fácil”
Data: 23/04/2010
Matéria: Revista Época
Ao dar esta entrevista a ÉPOCA, o educador Doug Lemov
dirigia seu carro às 5 e meia da manhã (horário de Nova York), em uma viagem
que duraria mais três horas – o tempo
entre sua casa e a escola onde passaria o dia treinando professores. Lemov não
usa livros nem segue teorias pedagógicas nos treinamentos que dá em todo o
país. Seu material são técnicas de como ensinar, criadas pelos melhores
professores dos Estados Unidos, que ele estudou e gravou em vídeos. “Toda vez
que passo o primeiro vídeo eles se transformam em canibais, sedentos por mais e
mais”, diz. A seguir, ele conta por que é tão difícil ensinar a ensinar.
ÉPOCA – O professor
aprende a ser bom na faculdade?
Doug Lemov – Não. Está claro que as escolas de educação se
preocupam em ensinar teorias da educação e dão pouca atenção para os estudos
sobre aprendizado. Uma razão é que nos Estados Unidos o trabalho de professor
não é bem remunerado e a carreira não tem prestígio. Acho que os acadêmicos
tentam melhorar isso agregando alto capital cultural, criando ricas e
fascinantes discussões intelectuais sobre teorias, filosofia, sociologia. Isso
tem mais prestígio do que se debruçar em ações do dia a dia da sala de aula,
que, no fim, é o que determina o sucesso do professor.
ÉPOCA – Por que é tão difícil ensinar a ensinar?
Lemov – Porque é assustador. Eu sei disso porque dou
treinamento para professores. Não sou um excelente professor. Sou apenas o.k.,
não excelente. E de repente tenho de ficar em pé diante de uma sala cheia de
bons professores e falar sobre o que é ensinar durante um dia inteiro. Seria
muito mais fácil falar sobre as grandes teorias da educação, pois as pessoas me
escutariam e achariam que eu seria capaz de fazer o que estou ensinando. A
maior parte dos professores das faculdades não tem experiência de sala de aula.
ÉPOCA – Seus alunos
são professores iniciantes?
Lemov – Todo professor precisa de treinamento, não só os
iniciantes ou os de pior desempenho. Na verdade, sob a perspectiva da escola, o
que mais deve receber investimento é o melhor professor. Muitos dos bons
professores desistem da carreira, e um dos motivos é que, quando você é bom, é
abandonado, deixado para caminhar com as próprias pernas. E os melhores são os que
mais querem melhorar e ter o melhor desempenho o tempo todo.
ÉPOCA – Se a
faculdade não prepara bons professores, a carreira é pouco atrativa, e para
mudar isso demora, como formar bons professores já?
Lemov – Os programas de treinamento de professores que já
estão dando aula são mais importantes que os cursos de pedagogia. Porque o
ensinamento é replicado para todos. Os melhores programas de treinamento
acontecem dentro das escolas. Elas sabem que não há tempo para esperar reformas
educacionais. Dar a oportunidade para professores ensinarem outros professores
a ensinar pode ser o início da mudança.
ÉPOCA – Os melhores
nascem assim?
Lemov – Não acredito nisso. Pense nos jogadores de futebol
brasileiros, tão talentosos. É claro que não existe uma mágica biológica que os
faça nascer todos nesse país. O treinamento de jogadores feito aí é diferente
do resto do mundo. Se estudarmos esses talentos, se treinarmos forte – e o
treinamento dos brasileiros é bastante duro –, é possível se tornar um. Bem,
talvez não um Pelé, mas um jogador excelente, com certeza.
Ao dar esta entrevista a ÉPOCA, o educador Doug Lemov
dirigia seu carro às 5 e meia da manhã (horário de Nova York), em uma viagem
que duraria mais três horas – o tempo entre sua casa e a escola onde passaria o
dia treinando professores. Lemov não usa livros nem segue teorias pedagógicas
nos treinamentos que dá em todo o país. Seu material são técnicas de como
ensinar, criadas pelos melhores professores dos Estados Unidos, que ele estudou
e gravou em vídeos. “Toda vez que passo o primeiro vídeo eles se transformam em
canibais, sedentos por mais e mais”, diz. A seguir, ele conta por que é tão
difícil ensinar a ensinar.
ÉPOCA – O professor
aprende a ser bom na faculdade?
Doug Lemov – Não. Está claro que as escolas de educação se
preocupam em ensinar teorias da educação e dão pouca atenção para os estudos
sobre aprendizado. Uma razão é que nos Estados Unidos o trabalho de professor
não é bem remunerado e a carreira não tem prestígio. Acho que os acadêmicos tentam
melhorar isso agregando alto capital cultural, criando ricas e fascinantes
discussões intelectuais sobre teorias, filosofia, sociologia. Isso tem mais
prestígio do que se debruçar em ações do dia a dia da sala de aula, que, no
fim, é o que determina o sucesso do professor.
ÉPOCA – Por que é tão
difícil ensinar a ensinar?
Lemov – Porque é assustador. Eu sei disso porque dou
treinamento para professores. Não sou um excelente professor. Sou apenas o.k.,
não excelente. E de repente tenho de ficar em pé diante de uma sala cheia de
bons professores e falar sobre o que é ensinar durante um dia inteiro. Seria
muito mais fácil falar sobre as grandes teorias da educação, pois as pessoas me
escutariam e achariam que eu seria capaz de fazer o que estou ensinando. A
maior parte dos professores das faculdades não tem experiência de sala de aula.
ÉPOCA – Seus alunos
são professores iniciantes?
Lemov – Todo professor precisa de treinamento, não só os
iniciantes ou os de pior desempenho. Na verdade, sob a perspectiva da escola, o
que mais deve receber investimento é o melhor professor. Muitos dos bons
professores desistem da carreira, e um dos motivos é que, quando você é bom, é
abandonado, deixado para caminhar com as próprias pernas. E os melhores são os
que mais querem melhorar e ter o melhor desempenho o tempo todo.
ÉPOCA – Se a
faculdade não prepara bons professores, a carreira é pouco atrativa, e para
mudar isso demora, como formar bons professores já?
Lemov – Os programas de treinamento de professores que já
estão dando aula são mais importantes que os cursos de pedagogia. Porque o
ensinamento é replicado para todos. Os melhores programas de treinamento
acontecem dentro das escolas. Elas sabem que não há tempo para esperar reformas
educacionais. Dar a oportunidade para professores ensinarem outros professores
a ensinar pode ser o início da mudança.
ÉPOCA – Os melhores
nascem assim?
Lemov – Não acredito nisso. Pense nos jogadores de futebol
brasileiros, tão talentosos. É claro que não existe uma mágica biológica que os
faça nascer todos nesse país. O treinamento de jogadores feito aí é diferente
do resto do mundo. Se estudarmos esses talentos, se treinarmos forte – e o
treinamento dos brasileiros é bastante duro –, é possível se tornar um. Bem,
talvez não um Pelé, mas um jogador excelente, com certeza.
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/1,,EMI135459-15228,00.html